domingo, 6 de março de 2011

O Vírus

Na manhã do último sábado, me deparei com um homem jogado no portão da minha casa com sintomas de embriaguez e aparência maltrapilha. Com determinante responsabilidade aos compromissos, passei por ele e segui em frente.

O dia continuou, mas confesso que havia algo estranho no ar. No fim da tarde a doce presença do Espírito Santo começou a ministrar a palavra de Lc 10.25-37 “a parábola do Bom Samaritano” e assim cheguei a um duro diagnóstico: meu coração está ficando cada vez mais frio e insensível!

Sem sombra de dúvida a força da mídia na valorização das más notícias e a “naturalização” do pecado, tem petrificado a nossa capacidade de nos sensibilizar, ação essa que em melhor das suas definições é a faculdade de sentir compaixão, comover-se, se impressionar vivamente, tornar-se sensível e responder com ações.

Analisando o texto vemos um intérprete da Lei (Fariseu) pondo Jesus à prova e questionando sobre a vida eterna. Após o apontamento para os mandamentos o mesmo indaga quem seria o “próximo” que deveria receber seu amor (v.29).

Este homem aqui estava procurando alguém a quem a obrigação de amor não se aplicava, na verdade queria estabelecer limites. Amamos se, amamos para, amamos por, amamos quem. Os julgamentos, as condições, os interesses infelizmente tem delimitado nosso raio de alcance e atuação cristã.

Para ensinar-lhe uma lição o Senhor conta-lhe uma parábola, e o texto registra que o primeiro a passar pelo local foi o sacerdote. A história diz que ele possivelmente estava voltando de suas obrigações sacerdotais e por isso tentaria evitar o contato com o semimorto por medo de incorrer em impureza cerimonial. Já viu esta cena antes: “Estou atrasado, não posso parar, a igreja me espera, já vai começar o culto”. Temos que entender que a compaixão humana é uma lei mais elevada do que qualquer observância ritual.

É fácil perceber a frieza do Levita (v.32) ao seguir os passos de seu companheiro de serviços do templo. Talvez seja atual dizer que o resultado da insensibilidade é a covardia “poltronice”, falta de ação!

Vemos na sequência que Jesus utiliza como exemplo de compaixão um Samaritano, homem “impuro”, de raça mestiça, de religião profanada e alvo de diversas discriminações para gerar um paradoxo entre os que se dizem “separados por Deus” e os “menos elitizados” (v.33).

Este homem além de parar, ele derrama óleo e vinho sobre os ferimentos expostos. Comprovadamente nossos ouvidos podem servir como óleo e nossas palavras podem ser como vinhos na vida de nosso próximo, mas a luta contra o egocentrismo tem disfuncionalizado às ações primárias destes órgãos (v.34). Ouvimos cada vez menos e falamos cada vez mais, direcionados pelo nosso padrão, nossa maneira de pensar, como se tivéssemos as resposta para o mundo e estas pudessem ser padronizadas e metodizadas.

Quanta profundidade na ação do Samaritano de pega-lo e o leva-lo a hospedaria. Paulo na carta aos Gálatas diz: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo” Gl 6.2.

A palavra carga aqui é “peso excessivo que pode te derrubar, rocha que pode esmagar”. Devemos utilizar do princípio da Sinergia que é o esforço coordenado de vários agentes na realização de uma tarefa complexa ou função. Que venha sobre nós a revelação do Nosso e a falência do Eu, a morte do Meu e da vivificação do Teu.

Dentre diversas lições não posso deixar de relatar essa:

“No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar”v.35

Um denário era o valor de um dia de trabalho e como já dizia certo homem: “com o que mais gastamos nosso dinheiro determina o que mais damos crédito”. Duro é esse discurso, quem o pode suportar?

Nosso irmão Tiago nos aponta para uma fé que disponibiliza obras ou no mesmo sentido, ações correspondentes.

“Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” Tg 2.15-17

A impressão que temos que esta falta de sentimentos, ineficiência e letargia são sintomas de um vírus que tem se espalhado por este mundo e convulsionado uma epidemia grave e silenciosa, quase despercebida cujos sintomas assemelham a hanseníase (sequidão, perda de sensibilidade, inchaço, úlceras e nódulos).

Mas onde há doença podemos pensar também em antídotos para este vírus:

Talvez o inicial seria validar nossa comunicação. Neste texto o doutor da lei buscava maneira de se esquivar pela discussão teórica, mas Jesus ensina que o amor é uma demonstração prática.

“porque o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção, assim como sabeis ter sido o nosso procedimento entre vós e por amor de vós” 1Ts 1.5

Poderíamos também validar nossas ações, pois enquanto os fanáticos profissionais da religião discutiam com grande habilidade, o samaritano foi reconhecido por sua ação.

“Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade”1Jo 3.17-18

“Deus usa aquilo que fazemos para autenticar a verdade que sai dos nossos lábios”

Encerramos com uma reflexão sobre o significado da palavra “Misericórdia” ordenada ao Fariseu como resultado de suas frígidas indagações (v.37).

Misericórdia é a junção de duas palavras que provêm do latim: miserere e cordis.

Miserere é um verbo e significa: ter compaixão de. Ter compaixão implica sentir com o coração de alguém, ou seja, é a capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa sente.

Cordis é um substantivo que significa coração, não apenas no sentido físico ou fisiológico, mas também como espaço onde brotam as emoções e sentimentos.

Portanto misericórdia (miserere + cordis) significa literalmente "ter compaixão do coração", ou seja, aproximar meus sentimentos dos sentimentos de alguém e sentir em sintonia (orquestrado).

Obs: O ministério da saúde adverte, este vírus pode causar dores e morte eterna!

No amor do Pai;

David Júnio

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